Arca de Noé 2006
Estamos no ano de 2006 e Noé vive em Portugal.
Deus nosso Senhor aparece a Noé e diz-lhe “Dentro de um ano, vou fazer chover e cobrir a Terra com água, até tudo ser destruído. Quero no entanto, que salves as pessoas de bem e um par de todas as criaturas vivas. Portanto, comando-te a construir uma Arca.” E num relampâgo, Deus entrega a Noé os planos com as especificações da Arca. Trémulo, Noé segura os planos e concorda em construir a Arca. “E lembra-te” diz Deus, “a Arca tem de estar concluída e com tudo e todos a bordo dentro de um ano.”
Exactamente um ano depois, uma nuvem escura e ameaçadora cobre a Terra e todos os mares crescem em tumulto. Deus vê Noé sentado no quintal de sua casa a chorar. “Noé!” clama, “Onde está a Arca?” Ao que Noé responde “Meu Deus, perdoe-me... fiz o meu melhor mas, surgiram dificuldades incontornáveis. Primeiro, tive de obter uma licença camarária de construção e os planos que o Senhor me entregou não cumprem a legislação vigente. Tive de contratar uma empresa de engenharia para refazer os planos. Depois, o meu vizinho fez queixa, afirmando que eu estava a violar os índices urbanísticos por estar a construir a Arca no meu quintal, forçando-me a conseguir uma alteração ao plano de pormenor da zona. Depois surgiram problemas em conseguir madeira suficiente, pois foi instituída uma protecção especial às florestas para proteger a Coruja de Bigodes. Finalmente consegui convencer as autoridades de que precisava da madeira para salvar as corujas. No entanto, seguidamente vieram as organizações ambientalistas que não me deixam apanhar um par de corujas... portanto, não há corujas.
Os carpinteiros entraram em greve e tive de negociar um novo acordo laboral com o sindicato. Agora tenho dezasseis carpinteiros na Arca... corujas é que nem uma. Quando comecei a reunir os outros animais, fui processado por um grupo defensor dos direitos dos animais, objectando porque é que eu só levava um par de cada espécie para bordo. Após livrar-me desse processo, o Ministério de Ambiente notificou-me que eu não poderia concluir a Arca sem apresentar um estudo de impacto ambiental relativo à inundação proposta. Não foi sem dificuldade que aceitaram não ter jurisdição sobre a conduta do Criador do Universo. Depois veio o Corpo de Engenharia do Exército a solicitar um mapa com a localização da inundação... enviei-lhes um mapa-mundi. Presentemente, encontro-me a braços com uma queixa da Comissão para a Equidade no trabalho, em que me dizem discriminatório por não embarcar não-crentes. As finanças penhoraram e congelaram todos os meus bens, sob o pretexto de que estou a construir a Arca para abandonar o país e assim fugir aos impostos. Acabei de receber uma outra notificação em que dizem que sou devedor de uma qualquer taxa e vou ser multado por não ter declarado a Arca como embarcação de recreio. Finalmente, a Assembleia conseguiu que os tribunais emitissem uma providência cautelar que me impede de continuar a construção da Arca, justificando-se que, já que Deus pretende inundar a Terra, trata-se de um evento religioso e portanto inconstitucional.
Portanto, meu Deus, não creio que consiga terminar a Arca nos próximos dez a quinze anos.”
Nisto, o céu começou a clarear, o Sol voltou a brilhar e os mares a acalmar. Noé olhou para cima, e esperançoso perguntou “Quer isto dizer que já não vai destruir a Terra, Senhor?”
E Deus respondeu “Para quê? O governo já o fez por mim.”
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